terça-feira, 27 de abril de 2010

Milton e o concorrente

"Mílton ainda não abriu a sua loja, mas o concorrente já abriu a dele; e já está anunciando, já está vendendo, já está liquidando a preços abaixo do custo. Mílton ainda está na cama, ao lado da amante, desta mulher ilegítima, que nem bonita é, nem simpática; o concorrente já está de pé, alerta, atrás do balcão.


A esposa — fiel companheira de tantos anos — está ao seu lado, alerta também. Mílton ainda não fez o desjejum (desjejum? Um cigarro, um pouco de vinho, isto é desjejum?) — o concorrente já tomou suco de laranja, já comeu ovo, torrada, queijo, já sorveu uma grande xícara de café com leite. Já está nutrido.


Mílton ainda está nu, o concorrente já se apresenta elegantemente vestido. Mílton mal abriu os olhos, o concorrente já leu os jornais da manhã, já está a par das cotações da bolsa e das tendências do mercado. Mílton ainda não disse uma palavra, o concorrente já falou com clientes, com figurões da política, com o fiscal amigo, com os fornecedores.


Mílton ainda está no subúrbio; o concorrente, vencendo todos os problemas do trânsito, já chegou ao centro da cidade, já está solidamente instalado no seu prédio próprio. Mílton ainda não sabe se o dia é chuvoso, ou de sol, o concorrente já está seguramente informado de que vão subir os preços dos artigos de couro. Mílton ainda não viu os filhos (sem falar da esposa, de quem está separado); o concorrente já criou as filhas, já formou-as em Direito e Química, já as casou, já tem netos.


Milton ainda não começou a viver.
O concorrente já está sentindo uma dor no peito, já está caindo sobre o balcão, já está estertorando, os olhos arregalados — já está morrendo, enfim".


Moacyr Scliar


Creio que a maioria de nós encarna fielmente o papel do Concorrente, passando ao menos vinte horas por dia se preocupando com seus compromissos, seus negócios, seus estudos. Na verdade, este ser capitalista simplesmente esquece de viver, ou melhor: ele vive para morrer. As outras quatro horas que deveriam ser de descanso são substituídas, ao meu ver, por sonhos(!) em que até aí a batalha continua firme e forte. Outras quatro horas deveriam ser adicionadas para que o dia se tornasse dia.

Mas para quê tanta obsessão em cumprir objetivos e metas? Isso faz parte da vida mas EU não a coloco como essencial. Entretanto, seria hipócrita se dissesse que incorporo somente um ou outro personagem deste conto. O nosso querido Milton vive do jeito que acha que deve viver. De qualquer forma, ele consegue sentir os minutos de sua pacata vida, enquanto o homem capitalista faz do seu presente o futuro.

Não admito que sejamos totalmente um ou outro, mas um pouco de cada. Enquanto o primeiro abriu mão de tudo, sem se preocupar com o que até então deveria se preocupar, o segundo fez tudo em excesso, com determinação e disciplina. O "Milton ainda não começou a viver", mas também não faça só como ele que, apesar de suas vantagens, deixou o tempo passar sem sentir um pouco do gostinho da vida do seu concorrente.

Ps: Sem idéia do que postar aqui, pedi ajuda ao meu amigo Victor Spíndola( http://victorspindola.blogspot.com ) para que me desse uma luz. Ele, então, me desafiou a escrever algo a partir deste conto de Moacyr Scliar, mas não colocou fé na minha capacidade. Cá está o post, bom ou ruim, mas agradeço à ele por ter me dado tal sugestão, pois o conto é bastante interessante.

4 comentários:

  1. Maravilhosa...
    Ñ estou surpreso e quero esclarecer que meu questionamento referente a sua capacidade de construir o post sobre o conto do Minton foi apenas combustivel para seu empenho. rs!
    Logo comento com mais profundidade, Elaine precisa de mim agora, rS!

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  2. É verdade amor...
    A maioria das coisas na nossa vida tem que estar em equilíbrio e harmonia. Em uma mediania, como Aristóteles já apregoava na atiguidade. As únicas coisas às quais não podemos estender esta visão são para as coisas do Senhor, que devem ser vividas em plenitude!
    Ótimo post, amor!!
    bjussss feiosa =P

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  3. Belo texto, belo conto. Realmente reflete bem o que tem sido a vida de certa forma.

    PS: Você escreve muito bem.

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  4. Eei, eu achei que tu te saiste bem do desafio! hauaaua E, concordo contigo, quanto ao equilíbrio. Acho que ele é fundamental, mas ninguém sabe direito como conseguir. Sempre penso em felicidade relacionada a equilíbrio..Enfim, escreve com mais frequencia, mulher!
    Beijo

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